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Artigo/Sueme Mori: União contra a imposição de regras*
SUEME

*Artigo publicado originalmente na Broadcast

20 de outubro 2023
Por CNA

Brasil, Indonésia, Malásia e Tailândia têm algo em comum além de suas belezas naturais. Os quatro países possuem posição de destaque no comércio agrícola internacional. Indonésia e Malásia ocupam o primeiro e o segundo lugares na produção de óleo de palma. Tailândia é o segundo maior produtor de borracha natural e o Brasil, além de terceiro maior exportador de alimentos, encabeça a lista de principal produtor em várias cadeias produtivas.

Em função da relevância que as exportações agropecuárias possuem para a economia desses países, os quatro apresentaram, em setembro, uma reclamação formal no Comitê de Agricultura da Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a legislação antidesmatamento da União Europeia (EUDR), que entrou em vigor em junho deste ano. O documento, que também foi assinado por outros 13 países em desenvolvimento, incluindo Argentina, México, Nigéria e Peru, expressa profunda preocupação com o regulamento europeu e afirma que a medida desconsidera as realidades e capacidades locais, as legislações nacionais, bem como os esforços e compromissos ambientais assumidos pelos países nos fóruns multilaterais adequados.

A EUDR é uma medida que impõe uma série de requisitos específicos para a entrada de determinados produtos agropecuários na União Europeia, entre eles a proibição da importação de produtos que tenham origem em área aberta após 31 de dezembro de 2020, independentemente de esse desmatamento ter sido legal ou ilegal.

A carta assinada pelos 17 países classifica a abordagem da UE como inflexível e afirma que a medida, por si só, não terá impacto positivo nas taxas de desmatamento, podendo produzir efeitos adversos, como aumento de pobreza, prejudicando especialmente os pequenos produtores. Essas preocupações não são somente dos governos desses países. Elas encontram eco também no setor privado. Exemplo disso está no manifesto assinado por entidades representativas dos produtores de soja e milho da Argentina, Brasil e Paraguai, que se reuniram há algumas semanas em Brasília e publicaram um documento criticando a legislação europeia e pedindo a exclusão do mecanismo de classificação dos países previsto na norma.

O sistema de benchmarking de países proposto pela EUDR é um dos pontos mais criticados da norma. Pelo mecanismo, os países serão classificados de acordo com o grau de risco (alto, padrão ou baixo) dos produtos. Entre os critérios que serão utilizados estão taxa de desmatamento do país e taxa de expansão de áreas agrícolas. Ou seja, serão punidos países com alta cobertura florestal e que possuem terras agricultáveis não abertas.

O dano de imagem de um país classificado como alto risco é gigantesco. E afetará não somente as relações com a UE, mas com todos os mercados para os quais ele exporta.

Pode-se questionar se a reação dos governos e da iniciativa privada dos países em desenvolvimento e produtores de alimentos está exagerada, mas a resposta é não. Não há exagero. Por si só, a medida é discriminatória e de caráter meramente punitivo. Se fizermos somente um recorte para os países do Mercosul, especialmente o Brasil, o cenário fica ainda mais preocupante, em razão do futuro (possível) acordo de livre comércio (ALC) entre os dois blocos.

Mercosul e União Europeia iniciaram, em 1999, as negociações com vistas ao acordo de livre comércio, onde os dois lados reduziriam consideravelmente as tarifas de acesso a ambos mercados, facilitando assim as trocas comerciais entre os países. Em 2019, as negociações foram oficialmente concluídas, restando apenas pequenos ajustes para o texto ser finalizado. Quatro anos depois, ainda sem o texto final do acordo, entrou em vigor a legislação antidesmatamento da União Europeia.

Em uma visão sistêmica, é como se a regra do jogo tivesse mudado após o encerramento da partida. Apesar do Acordo de Livre Comércio facilitar o acesso bilateral (mercados europeu e do Mercosul), a EUDR tem o potencial de bloquear o acesso de uma parcela significativa dos produtos que os países sul-americanos exportam para a Europa. Só no caso do Brasil, estamos falando de US$ 16 bilhões. Valor que em 2022 representa a soma das exportações brasileiras para a UE dos produtos afetados pela medida europeia.

Considerado que a EUDR já prevê a ampliação nos próximos anos da lista de produtos impactados, não é possível precisar, neste momento, o real impacto da medida para as exportações brasileiras. E é por esse motivo que é imprescindível que essa medida seja levada em consideração no âmbito das negociações do Acordo de Livre Comércio. São processos diferentes, mas intrinsicamente conectados.

Se as negociações do ALC forem finalizadas sem algum instrumento que garanta o real acesso dos produtos do Mercosul ao mercado europeu, independente de legislações (atuais e futuras) internas da UE que impactem o comércio bilateral, será o famoso "ganha, mas não leva", ou, pior ainda, só perde.

Sueme Mori é diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

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