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Artigo/Sueme Mori: A legislação europeia e o tripé da sustentabilidade*
Depois de meses de discussão, a União Europeia (UE) deu o sinal verde para aprovação final da chamada Lei Antidesmatamento, uma medida que impõe restrições à entrada de produtos agropecuários no bloco com base em critérios ambientais. O resultado da votação final deixa clara a opinião dos europeus sobre o tema: dos 27 países-membros do bloco, 22 foram favoráveis e 5 se abstiveram.
No preâmbulo do texto final aprovado, existem 86 pontos que buscam enumerar as razões que motivaram a UE a tomar essa medida e esclarecer aspectos da legislação. Neste preâmbulo, os europeus afirmam que o combate ao desmatamento constitui parte importante do pacote de medidas necessárias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e cumprir os compromissos assumidos pelo bloco no âmbito do "Pacto Verde" (Green Deal) e do Acordo de Paris, e que, para o maior impacto possível, as políticas da UE deverão procurar influenciar o mercado mundial e não apenas as cadeias de abastecimento do bloco.
De forma resumida, a legislação aprovada exige três requisitos para que um bem seja comercializado na UE: não ser originário de área aberta (desmatada) após 31 de dezembro de 2020; ter sido produzido de acordo com a legislação do país de origem, e comprovação de que um processo de diligência devida foi realizado. A medida afeta a cadeia de sete produtos: soja, café, carne bovina/couro, cacau/chocolate, madeira/móveis, borracha e óleo de palma.
Em 2022, o Brasil exportou US$ 51 bilhões para a UE. Deste total, US$ 17,5 bilhões foram de produtos contemplados pela nova legislação, o que já seria motivo suficiente para preocupar o setor agropecuário brasileiro, mas o significado da aprovação dessa medida é bem maior e ultrapassa as fronteiras do bloco europeu.
A Lei Antidesmatamento da UE é a primeira dessa natureza, mas não deve ser a única. Reino Unido e Estados Unidos também já iniciaram discussões internas e, há quem diga, estavam aguardando a finalização do processo do bloco europeu para avançar com suas próprias legislações. Ao contrário da UE, o Reino Unido deve considerar a distinção entre desmatamento legal e ilegal. Ainda não há clareza sobre qual caminho os EUA vão tomar.
Aliás, o respeito (ou não) à legislação local é um dos pontos que mais preocupam o Brasil. O outro é o sistema de classificação de risco dos países. Com relação ao primeiro ponto, o Código Florestal brasileiro permite a abertura de áreas, respeitados os limites de acordo com a localização da propriedade. Para a lei europeia recém-aprovada, não há diferença entre desmatamento legal e ilegal. Sobre a classificação dos países, os critérios de avaliação incluem o índice de desmatamento do país e sua taxa de expansão de terras agrícolas voltadas ao cultivo dos produtos cobertos pela legislação.
O grau de risco de um país determinará quais exigências deverão ser cumpridas e as penalidades a que estará sujeito em caso de violação. Obviamente, aquele que for classificado como alto risco terá sobre si uma carga muito maior do que os demais. Considerando que os países estão em estágios diferentes de desenvolvimento e que isso também influencia as características da produção agropecuária, não é justo punir um país baseado no aumento da sua produção de alimentos.
De acordo com o relatório "Perspectivas Agrícolas 2022-2031" da OCDE-FAO, a América Latina registrará, na próxima década, os maiores crescimentos da produção agropecuária no comparativo mundial. Já do lado do consumo, o documento prevê que a maior parte da demanda adicional por alimentos virá de países de baixa e média renda, puxada pelo aumento populacional e de renda per capita. A garantia da segurança alimentar mundial depende do aumento da produção de alimentos.
A atividade agropecuária é a que mais sofre com eventos climáticos extremos. O produtor é o principal aliado no combate às mudanças climáticas. É um problema complexo e deve ser tratado como tal.
O termo "sustentabilidade", comumente utilizado como sinônimo de respeito ao meio ambiente, representa, no seu sentido mais amplo, o equilíbrio entre os impactos ambientais, sociais e econômicos de uma atividade. Os dois últimos não são considerados na nova legislação europeia, que aborda a urgência climática de forma isolada, sem considerar os aspectos econômicos e sociais associados ao tema, nem a diferença entre os níveis de desenvolvimento e aspectos históricos de cada país.
Somente com cooperação, por meio de uma abordagem colaborativa e não meramente punitiva, questões globais como segurança alimentar e climática poderão ser endereçadas.
Sueme Mori é diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
*Artigo publicado originalmente no Broadcast