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Paraná

Dilema do trigo passa por preço, investimento e mercado
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Produto marca alta histórica da cotação este ano, mas continua sem pagar as contas

20 de outubro 2020

Por: Comunicação Social – Sistema FAEP/SENAR-PR

O trigo bateu recordes de preço, marcando uma posição diferente da qual estava habituado o triticultor paranaense, que nesta temporada pode sonhar com algo que não vê há muito tempo na cultura: rentabilidade. Apesar dos maus auspícios de São Pedro, como a estiagem generalizada e a geada que atingiu algumas lavouras na reta final de desenvolvimento nas regiões Oeste e Sudoeste, os indicadores apontam para uma colheita de 3,3 milhões de toneladas, volume 55% superior ao da safra anterior. Mas o que enche mesmo os olhos dos triticultores é o preço.

Nesta temporada, o dólar valorizado permitiu que as cotações do cereal atingissem valores expressivos em real, com a saca comercializada no Paraná chegando ao pico de R$ 77 em maio (preço do mercado de lotes medido pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada [Cepea]. O valor pago no mercado de balcão pela Secretária Estadual de Agricultura e Abastecimento [Seab] é um pouco menor). Apenas para efeito de comparação, no mesmo mês de 2019 a saca do cereal estava na casa dos R$ 50, segundo o mesmo levantamento do Cepea.

Segundo a técnica do Departamento Técnico Econômico (DTE) da FAEP Ana Paula Kowalski, essa alta nos preços se explica por dois fatores. “Tivemos uma quebra severa na safra anterior que reduziu os estoques. De outro lado, temos um dólar valorizado, o mundo demandando trigo e alguns países exportadores retendo mais seus estoques, já que se trata de um produto estratégico para segurança alimentar”, analisa.

Nos últimos meses, alguns outros fatores têm sustentado os preços, como o plantio abaixo do inicialmente projetado na Argentina (de 6,8 milhões de hectares para 6,5 milhões de hectares) e também perdas nas áreas implantadas, ambos motivados pela seca. No Paraguai, as perdas pela seca também ocorreram e, no Paraná e Rio Grande do Sul, as geadas reduziram as expectativas de produção.

Esse conjunto de fatores (clima, demanda aquecida e dólar valorizado) proporcionou um cenário incomum e bastante positivo aos triticultores do Paraná, Estado que concentra a maior produção do país. Mas ainda parece insuficiente para que o cereal ganhe o espaço que merece nos planos dos agricultores paranaenses, que após décadas de preços baixos, vão paulatinamente desistindo da cultura.

Dilema em campo

De acordo com os dados do projeto Campo Futuro, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a cultura do trigo dificilmente se paga quando analisada isoladamente. Na maioria dos casos, ela atua em parceria com outras culturas de verão, estabelecendo uma alternância muito positiva do ponto de vista agronômico.

No levantamento de 2020, que analisou Cascavel (Oeste), Guarapuava (Centro Sul) e Castro (Campos Gerais), para pagar o Custo Operacional Efetivo (COE) da cultura, que computa os gastos imediatos do cultivo, como aquisição de insumos, tributos, seguro rural, serviços, entre outros, o preço da saca deve estar próximo dos R$ 60. Vale lembrar que existem diferenças entre as praças analisadas pelo Campo Futuro.

Ocorre que, mesmo diante de um cenário de preços bons, o triticultor paranaense conseguiu pagar o COE em apenas duas das três regiões pesquisadas. Destas, apenas na região de Castro, a receita do cereal conseguiu pagar também o Custo Operacional Total (COT), que considera a depreciação dos equipamentos. Em nenhum cenário a receita do trigo paga o Custo Total de Produção (que inclui a remuneração do capital investido e o custo da terra).

Decepção e desistência

A baixa rentabilidade proporcionada historicamente pelo trigo no Paraná tem levado muitos produtores a desistirem da cultura. Com exceção desta temporada, em que ocorreu um aumento de 10% na área de produção (que em muito se explica pela impossibilidade de plantar o milho safrinha em algumas regiões), é possível notar uma oscilação e até mesmo uma redução gradativa ano após ano. Muitos daqueles que se mantém na atividade sequer contam com a renda, utilizando o trigo apenas na rotação de culturas.

“Plantei trigo por cerca de 40 anos, mas não planto mais. É uma cultura interessante, histórica, bíblica, emocionante. O que falta são condições boas para produzir”, observa o produtor Anton Gora, de Guarapuava. Segundo ele, que hoje dedica suas lavouras de inverno a outras culturas, como feno e centeio, não vale à pena retornar ao trigo nas condições atuais. “O preço que os moinhos oferecem fica abaixo do custo de produção”, analisa. Este cenário não estimula grandes investimentos na cultura. “Como não vai ter bom preço mesmo, quem planta não pensa em investir muito, joga a semente na terra e vê no que vai dar”, observa.

Assim como Gora, muitos agricultores também desistiram da cultura por falta de boas condições de comercialização. “Temos tecnologia disponível, terra, mão de obra, tudo para produzir. O Brasil precisa desse trigo, mas falta esse cuidado do governo em nos dar condições de produção”, lamenta.

Sintonia produtiva

Do ponto de vista do consumo, o volume de trigo plantado no Paraná não atende à demanda. “Nossa indústria consome todo o trigo paranaense e ainda precisa importar, pois o volume produzido é insuficiente”, afirma Daniel Kümmel, presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Estado do Paraná (Sinditrigo). “Este ano em que a tendência é de bastante trigo e de boa qualidade, a liquidez do produtor é certa”, garante.

Na opinião de Kümmel, também produtor rural, é possível verificar uma “revolução no campo”, na qual o triticultor teria percebido que investimentos na lavoura se reverteriam em rentabilidade. “Hoje, as variedades em campo no Paraná são 100% de interesse da indústria”, afirma.

A aderência destes dois setores, segundo ele, se manifesta na disposição do parque moageiro do Estado. Dos 67 moinhos existentes, a maioria está no interior, ao lado da produção agrícola. “A cadeia produtiva do Paraná é muito completa, temos desde empresas de defensivos, empresas de sementes, cooperativas e cerealistas”, observa.

Kümmel nota uma mudança na cultura do trigo no Estado nos últimos 10 anos. “A chave foi o diálogo entre moinhos, produtores rurais, câmaras setoriais e cerealistas. Todos entendendo que para entregar um trigo de qualidade é preciso fazer investimento. O triticultor percebeu que quando o trigo é bom, ele tem interesse da indústria”, observa.

Trigo tipo exportação

Na visão do embaixador Rubens Barbosa, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), o que falta para organizar esta cadeia produtiva é vontade política e maior articulação por parte do setor produtivo. “O trigo deveria ser plantado de acordo com a demanda. Os plantadores devem saber o que a indústria necessita, pois não compra qualquer coisa. É papel dos plantadores conversarem com a indústria para saber da demanda”, avalia.

Segundo Barbosa, nossa dependência do trigo importado é enorme, chegando a 60% da demanda nacional. “O trigo é o único grão que o país importa, mesmo sendo essencial e estratégico”, analisa. Na opinião do dirigente, a produção brasileira deveria ser maior para garantir o abastecimento. “Por que o Paraná não pode pensar em uma produção maior e exportar uma parte da safra?”, questiona.

Hoje, o maior fornecedor de trigo para o Brasil é a Argentina, que atualmente enfrenta uma estiagem severa que pode comprometer boa parte da sua produção. Para estimular a expansão da produção nacional, a Abitrigo encaminhou ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) uma proposta para ampliar a produção do cereal em novas áreas brasileiras, como o Norte do Cerrado e a Bahia. “Dentro do ciclo de expansão da agricultura brasileira, o trigo ficou para trás”, analisa.

Um século de melhoramento do trigo no Brasil

Cereal com longa trajetória na história da humanidade, o trigo sofreu várias mudanças para que fosse domesticado e pudesse ser cultivado nos mais variados tipos de solo e clima. Desta forma, os cultivares que se plantam hoje no Brasil não são os mesmos que há 30 anos. Ao longo do tempo novas variedades surgiram trazendo tecnologias que buscam, entre outros atributos, maior resistência e produtividade.

A rigor, o melhoramento genético do trigo brasileiro começou há mais de um século. Em 1919, frente a necessidade de garantir alimento barato à população, o governo criou as primeiras estações experimentais para o estudo do cereal, sendo a primeira em Veranópolis, no Rio Grande do Sul, e a segunda em Ponta Grossa, no Paraná.

De acordo com Eduardo Caieirão, pesquisador da Embrapa Trigo, os primeiros cultivares desenvolvidos não seriam adequados, pois eram muito altos e suscetíveis a diversos tipos de estresse. “O esforço do melhoramento teve um impulso muito forte a partir da década de 1990, quando houve a privatização do trigo no Brasil”, afirma, referindo-se à extinção da Comissão de Compra do Trigo Nacional (CTRIN), órgão público que fiscalizava e controlava os preços do trigo e da farinha. “A partir daí o trigo não era totalmente comprado pelo Estado e critérios de qualidade passaram a ser mais relevantes. Então, as empresas de melhoramento passaram a dar uma atenção maior ao aspecto de qualidade tentando identificar trigos que atendessem melhor à demanda nacional”, explica Caieirão.

Hoje, o pesquisador da Embrapa Trigo garante que existem cultivares nacionais para atender a qualquer produto demandado pela indústria, e mais. “Temos potencial de dobrar a produção só com a genética disponível”, afirma. Segundo ele, existem cultivares com potencial de produção de seis toneladas por hectare, enquanto que a média dos Estados produtores é metade atualmente. “Não precisa fazer milagre para a receita crescer na lavoura, basta utilizar o potencial genético do trigo”, diz.

Mas se é tão fácil assim, por que o produtor não utiliza todo esse potencial? “Porque tem diferentes aplicações e tecnologias. A amplitude de situações é muito grande. Muitas vezes as tecnologias desenvolvidas na pesquisa sequer chegam ao produtor”, explica Caieirão.

Algumas destas novas variedades estão obtendo ótimos rendimentos (as tais seis toneladas por hectare) na região Central do Brasil. “Produzir trigo na região Sul é muito mais desafiador, por conta do clima”, explica Caieirão. Nas lavouras desenvolvidas em Goiás e na região do Cerrado, a produtividade é grande, mas os custos também sobem, uma vez que é necessário irrigar os trigais. “Onde o trigo é irrigado, a estabilidade é muito grande, pois se coloca água somente quando precisa e os rendimentos vão lá para cima. Mas existe o aumento no custo”, observa.

Temporada atípica para o trigo - Por Ana Paula Kowalski

O momento nunca foi tão favorável para o cultivo do trigo. O preço médio é de R$ 65 por saca em plena colheita, o maior da série histórica da Seab. Isso mesmo no auge de 63% da área paranaense colhida e com uma produção de 3,3 milhões de toneladas, um aumento de 55% em relação à safra passada.

A combinação de fatores que nos levou a este cenário não é simples. Primeiro tivemos o efeito da pandemia no aumento da demanda das famílias por derivados de trigo. Esse aumento refletirá em um consumo de quase 12,5 milhões de toneladas de trigo nesta safra 2020 que está sendo colhida, o maior da série histórica da Conab. Daqui para frente temos um fator ainda positivo para a demanda por macarrão por conta do aumento do preço do arroz. Um produto costuma substituir o outro na preferência do consumidor.

A queda de 25% na produção da safra 2019 no Paraná, principal produtor nacional, também contribuiu para uma menor disponibilidade de trigo no Brasil. Para suprir a demanda de consumo no mercado interno, foi preciso importar mais. Aqui reside o terceiro fator de alta. O real vem sofrendo uma forte desvalorização em 2020. A taxa de câmbio nesse momento está acima de R$ 5,60 e trazer trigo de fora está mais caro.

Ainda que a tendência esperada seja de melhora do cenário da pandemia e de responsabilidade nas reformas que correm no Executivo e Legislativo, as perspectivas para os preços de trigo ainda são boas. O plantio na Argentina acabou ficando abaixo do inicialmente projetado e também ocorreram perdas nas áreas implantadas em função da seca. No Paraguai, as perdas pela seca também foram registradas e no Paraná e Rio Grande do Sul, as geadas também reduziram as expectativas de produção, apesar da recuperação em relação ao ciclo passado.

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