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Qualidade diferenciada, uma tendência em alimentos
Os alimentos Premium estão na boca do povo, literalmente! Algo que poucos imaginavam no Brasil no começo dos anos 2000, quando iniciamos o trabalho do Programa Carne Angus Certificada da Associação Brasileira de Angus. Pouco se via no mercado nacional sobre marcas de carne, sobre café com “blend” e aroma diferenciado, arroz de diferentes cores e formatos, produtos orgânicos, etc.
Naquela época, os vinhos importados já faziam sucesso, com suas diferentes variedades e aromas, mas quase ninguém conhecia siglas como IG (Indicação Geográfica) ou DOC (Denominação de Origem Controlada). Existiam marcas fortes, que por si, por sua história, tradição e qualidade consistente, já eram reconhecidas como produtos superiores. Quem não ouviu falar ou provou a manteiga Aviação, o doce de leite Conaprole (uruguaio) e a carne “argentina”?
Nossa economia evoluiu. Passamos por um longo momento de estabilização econômica e de dólar baixo, além de uma abertura tarifária que, em conjunto com uma tendência cultural importada dos países da América do Norte e Europa, permitiu que nosso conceito de consumo evoluísse. Passamos a ter preferências mais precisas sobre alimentos, passamos a escolher tipos, “terroirs” e a optar por produtos de qualidade diferenciada, o que hoje chamamos de produtos Premium.
Nas carnes não foi diferente. Surgiram, em meados dos anos 2000, incontáveis marcas de carnes com promessa de “qualidade”, sem especificar muito o que isto significava. Os termos Premium, Prime, Grill, Gourmet, Novilho Jovem, Special Cuts, Top Quality, entre outros, passaram a figurar junto a marcas de carnes e criaram uma verdadeira confusão na cabeça dos consumidores. O que diabos é uma costela Gourmet? Qual a diferença de um corte Premium para um corte Grill? Mais recentemente, o Facebook e o Instagram deram palco à criação do comportamento “assou, postou”... é o Churrasco Ostentação... quase um funk!
Explodiram as marcas de carnes ditas “Raças Britânicas”, que passaram a fazer parte da lista dos termos acima. Toda a marca de carnes para ter qualidade deveria ser produzida a partir de uma “Raça Britânica”...
A Carne Angus Certificada foi um case a parte. Muito mais que um fenômeno Gourmet do nosso século, é um trabalho de consistência de determinados atributos de qualidade como maciez, suculência, sabor, teor de gordura mais alto e identidade de origem na raça Aberdeen Angus. Poucos sabem, mas este trabalho, construído em conjunto pelas associações de Angus de todo o mundo teve seu início em 1978 nos Estados Unidos através de um trabalho pioneiro da American Angus Association.
Nos últimos anos, tenho viajado pelo mundo promovendo as exportações da Carne Angus Certificada Brasileira. Vejo uma demanda muito forte e crescente por este produto, o que tem motivado seu crescimento e o posicionamento da raça no Brasil e no mundo.
Entretanto, o sol nasce para todos! Existem, SIM, consumidores que atribuem qualidade a um outro pacote de características, diferentes daquele que a Carne Angus Certificada oferta. Cresce a demanda de carne produzida em pastagens, com composição diferenciada de ácidos graxos; cresce a demanda por cortes com baixos teores de gordura, “light”, assim como seu oposto radical, a carne high marbling, produzida a partir de animais Wagyu, entre tantas outras tendências. Suínos criados soltos, de raças primitivas; frango caipira, café em cápsula, chocolates com percentagem diferenciada de cacau, etc.
Preocupa quando vemos todas as raças, buscando se tornarem “britânicas”, pela cor da pele, pela busca do marmoreio, etc. Hoje temos o “Zebu High Marbling”. Será que precisamos? Quais os impactos disso na rusticidade da raça? Raças são pacotes genéticos, cada uma foi forjada com características diferenciadas e está apta a um sistema de produção, um ambiente e vai produzir um tipo de produto.
Como disse antes, o sol nasce para todos. A sabedoria está em posicionar seu produto de forma adequada, para os consumidores certos, com características demandadas. Quer um exemplo? Carne TAEQ®, produzida pela rede Pão de Açúcar. Um produto extremamente magro, extra limpo, comercializado em bandejas, porcionado para preparação no dia a dia, macia e com preços acessíveis. Um posicionamento claro de carne para o consumo diário, inclusive nos slogans.
Veja bem, não estou aqui apregoando que você abra uma fábrica de chapéus em um lugar onde as pessoas não têm cabeça! O que defendo é que você tenha suas próprias convicções e olhe para o mercado. Analise a demanda e produza o que está sendo demandado pelos consumidores. Se você optar por produzir algo diferenciado, tenha em mente que, antes de produzir, você vai precisar ter mercado para comercializar seus produtos e identificar uma demanda.
É preciso escala, constância de fornecimento, qualidade realmente diferenciada e consistente, e, é claro, uma marca. Tudo em sintonia - produtor, indústria e varejo-, alinhando a quantidade ofertada x a demandada para que não sobre produto. No passado, o produtor brasileiro já tentou inverter esta situação e deu no que deu... Aqueles belos animais cruzados, por falta dos itens que acima mencionei, foram tachados como “tucuras” e desvalorizados.
Quer uma dica? Se seu negócio está dentro da porteira, olhe os programas de qualidade existentes no Brasil. Este trabalho de identificação de demanda e construção de cadeia de valor já foi pavimentado para você pelas associações de criadores de cada raça. Avalie a distribuição regional destes programas e suas especificações de qualidade e verifique se é compatível com sua propriedade. Se não for, quais os ajustes necessários? E, principalmente, quando optar, escolha o que há de melhor na genética daquela raça.
Escolher o sêmen certo é o primeiro passo e talvez o passo fundamental. Faça a conta, o custo de uma dose de sêmen de um reprodutor superior em desempenho e qualidade de carne é muito pequeno perto dos custos envolvidos em todo o processo. Quando você opta pelo que é mais barato, está limitando, geneticamente, o potencial de produção e conversão de alimentos em carne de seu sistema de produção, e assim, limitando sua eficiência.
Quer outra dica? Converta a diferença de preço entre uma dose de sêmen “barata” e aquela do touro superior, que atende a todas as características que você necessita em seu sistema de produção em kg de boi gordo... e pergunte-se: Será que se eu usar uma genética mais adequada não vou produzir animais, no mínimo, com este peso a mais?
Lembre-se, antes de ingressar em uma aventura genética rumo ao desconhecido, utilizando uma raça totalmente diferente para produção de carne, procure conhecer os programas de qualidade existentes. Eles estão todos na página http://www.cnabrasil.org.br/protocolos-de-rastreabilidade-bovina. Procure as associações, entenda o funcionamento de cada um, a demanda e as premiações oferecidas aos participantes. Arregace as mangas e surfe no mercado da carne de qualidade!
* Fábio Schuler Medeiros é Gerente Sênior Nacional - Programa Carne Angus Certificada - Associação Brasileira de Angus / Artigo publicado pelo catalogo de inseminação da Select Sires do Brasil - Edição 2016