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Artigo/Sueme Mori: a cidade do Leão abre as portas da Ásia
*Artigo publicado originalmente na Broadcast
Após 11 anos sem celebrar nenhum acordo comercial, o Mercosul assinou, em dezembro, o acordo de livre comércio (ALC) com Cingapura. O anúncio foi feito durante a 63ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, ocasião em que também foi oficializada a entrada da Bolívia no bloco. Apesar de todo esforço do governo brasileiro para que a principal notícia da Cúpula fosse a conclusão do acordo com a União Europeia, os anúncios envolvendo Cingapura e a Bolívia foram o ponto alto do encontro ocorrido no Rio.
A essência de um ALC é a redução significativa ou eliminação das tarifas de importação entre os países signatários, com vistas à ampliação das trocas comerciais entre eles. A estrutura tarifária de cada país reflete o seu grau de abertura comercial. Cingapura, por exemplo, é reconhecida como uma economia aberta, orientada para o mercado externo. Cerca de 99% das importações entram no país com tarifa zero. Existem somente 4 categorias de bens tributáveis: bebidas alcoólicas, produtos de tabaco, veículos motorizados e produtos petrolíferos. Além disso, o país possui uma extensa rede de acordos de livre comércio: 27.
Se as tarifas já estão praticamente zeradas, quais são os benefícios reais de um acordo com Cingapura? Além dos impactos positivos na economia brasileira, previstos pelo Ministério da Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o acordo possui um significado muito mais abrangente. Em primeiro lugar, ele é o primeiro ALC que o Mercosul assina com um país asiático. Atualmente, a rede de acordos do bloco sul-americano possui baixa cobertura, especialmente considerando o setor agropecuário. E um dos principais motivos é exatamente a ausência da Ásia nessa lista.
Em 2022, o Brasil vendeu US$ 79 bilhões em produtos agropecuários para a Ásia. Isso representou 50% do total exportado pelo setor. Este ano, até novembro, esse número já alcançou U$ 87 bilhões e a participação dos asiáticos aumentou para 54%. A China, claramente, é a principal responsável pela maior fatia desse bolo, mas fato é que outros países da Ásia vêm ganhando destaque como destino das exportações agropecuárias do Brasil, como é o caso de Cingapura, que comprou no ano passado US$ 675 milhões, 30% a mais do que em 2021.
Cingapura não possui condições naturais favoráveis à produção agrícola e pecuária e, por isso, depende fortemente das importações para garantir o abastecimento interno. Cerca de 90% dos alimentos consumidos localmente são importados. O que torna o mercado extremamente atrativo para o Brasil, que é o terceiro maior exportador de alimentos do mundo.
Outro motivo que torna o estreitamento das relações com Cingapura tão significativo é a sua localização e o importante papel que o país possui como centro financeiro da Ásia. O porto de Cingapura é o segundo mais movimentado do mundo e cerca de 80% da carga que passa por lá tem outros mercados como destino final. Além disso, o país possui um arcabouço de incentivos para receber investimentos estrangeiros e, por isso, empresas que operam no mercado asiático têm escolhido o país como local para se instalarem.
Cingapura, que significa "Cidade do Leão" é uma cidade-estado moderna, com um forte ecossistema de inovação e ares de metrópole global. O país possui uma extensão um pouco menor do que Goiânia, com cerca de 5,8 milhões de habitantes e um PIB per capita quase 9 vezes maior do que o Brasil.
Com uma população que fala as duas principais línguas do mundo dos negócios, inglês e mandarim, o país busca se manter neutro na disputa geopolítica entre o "ocidente e oriente". Tanto que Cingapura foi o local escolhido para o histórico encontro ocorrido entre o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump e o líder norte-coreano Kim Jong-un, em 2018.
Para o agro brasileiro, o Acordo tem o potencial real de ampliar as exportações do setor, não só para Cingapura, mas para outros países do Sudeste Asiático. Os termos negociados no ALC favorecem o acesso de produtos agropecuários, como o reconhecimento do "pré-listing" como processo de habilitação de plantas. Por essa modalidade, o país exportador (nesse caso, o Brasil) informa ao país importador (Cingapura) os estabelecimentos que estão aptos para vender determinado produto de origem animal, sem a necessidade expressa de uma inspeção local.
Num cenário internacional cada vez mais complexo, onde a incerteza é a única certeza, o Acordo firmado com Cingapura traz um elemento raro nos dias atuais: previsibilidade de regras. Especialmente para o setor agropecuário, essa característica vale ouro.
Que esse seja somente o primeiro de vários acordos a serem firmados com a Ásia e com outras regiões do mundo onde o crescimento populacional e o aumento da renda têm gerado uma maior demanda por alimentos. O Brasil já é protagonista na garantia da segurança alimentar mundial e o único país do mundo em condições de ampliar a sua produção interna de maneira sustentável, atendendo as necessidades da sua população e de outras nações.
Sueme Mori é diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)