Logo CNA

Artigo/Lígia Dutra: Vamos falar da onda ESG (*)
LIGIA DUTRA ARTIGO BROAD

24 de setembro 2021
Por CNA

Em 1987, uma comissão chefiada por uma médica publicou um dos textos mais impactantes de nossa época: o relatório Nosso Futuro Comum alertou o mundo sobre as graves consequências dos problemas ambientais e sociais no planeta. De lá pra cá, as corporações tentam entender o seu papel dentro de um modelo de desenvolvimento de longo prazo. Ondas de inovações gerenciais atingiram grandes empresas com conceitos como responsabilidade social, sustentabilidade e certificações ambientais. O setor produtivo buscou absorver a ideia do desenvolvimento sustentável, tanto para reduzir impactos ambientais e sociais quanto para oferecer produtos ecológicos ou ambientalmente corretos.

No entanto, o agravamento dos problemas, em especial os relacionados às mudanças climáticas, mostram que a transformação não veio na velocidade necessária. Ainda há uma enorme lacuna entre reconhecer a responsabilidade das empresas no enfrentamento dos problemas sociais e ambientais e, de outro lado, implantar um novo padrão produtivo verdadeiramente sustentável. Afinal, mudar custa caro, mas não mudar está se tornando cada vez mais oneroso.

Nesse cenário, não se pode desprezar o esforço de adaptação e de melhoria dos sistemas gerenciais e de produção em busca de sustentabilidade, mas devemos acelerar a mudança já em curso. A ideia de um desenvolvimento sustentável bate, há tempos, na muralha do mundo corporativo e agora pode aumentar ainda mais sua presença com o reforço da “onda ESG”.

Não é uma ideia nova, mas uma abordagem renovada do conceito de sustentabilidade. Com indicadores, o ESG avalia se o comportamento das empresas contribui para melhoria de padrões ambientais, sociais e de governança. É uma tentativa de reduzir a lacuna entre a teoria do desenvolvimento sustentável e a prática empresarial com métricas compreendidas e comparadas por investidores, governos, sociedade e consumidores.

ESG virou uma referência constante no discurso da maioria das empresas do agro brasileiro, ainda muito centrada nas grandes corporações por estarem mais expostas aos anseios dos consumidores internacionais e às exigências do mercado financeiro. E aqui chamo a atenção ao papel das instituições financeiras nesse processo. Talvez essa seja a grande novidade por trás da onda ESG.

É importante considerar que a mudança empresarial tem respondido mais rapidamente aos estímulos do mercado financeiro do que às demandas do consumidor. Segundo relatório “ESG Investing: Practices, Progress and Challenges”, elaborado em 2020 pela OCDE, a quantidade de portfólios que incorporam elementos-chave de análise ESG podem chegar globalmente a US$ 17,5 trilhões. É sobre esse montante que estamos falando quando se discute ESG, e isso é um estímulo para as empresas do agro brasileiro. O mundo financeiro demorou décadas para entender o seu papel no desenvolvimento sustentável, mas agora que chegaram as empresas financeiras, as oportunidades para o setor produtivo se multiplicam, especialmente na realização de operações financeiras mais vantajosas quando há compromissos baseados em metas ESG.

Agentes do mercado financeiro pressionados a melhorar seu desempenho em portfólios ESG precisam ultrapassar a bolha das grandes empresas para conhecer a diversidade da agricultura brasileira. À frente da área internacional da CNA, visitei empreendimentos rurais em todos os biomas do Brasil e testemunhei a diversidade de iniciativas incríveis que unem sustentabilidade e produção. Do cultivo de cacau no Pará à cooperativa de fruticultores na Bahia, passando pela vinícola no Rio Grande do Sul e, claro, pelas fazendas de grãos no Mato Grosso do Sul, testemunhei bons exemplos de produção agropecuária aliada com conservação de floresta, produção de energia renovável, uso racional de água, conservação de fauna silvestre, entre tantos outros atributos positivos.

O agro brasileiro desenvolveu uma gama de soluções que prioriza a mitigação do impacto ambiental. Tecnologias inovadoras, como a integração lavoura, pecuária e floresta (ILPF), com capacidade de aumentar a produtividade e mitigar as emissões de carbono, são exemplo do potencial ESG do setor. Recentemente, a Embrapa desenvolveu um protocolo de rastreabilidade baseado na adoção de ILPF, intitulado carne carbono neutro, é um caso concreto da criação de indicadores que podem auxiliar pecuaristas e empresas frigoríficas a atrelar sua produção às metas climáticas no escopo do ESG. O protocolo, gerenciado em conjunto com a CNA, foi criado para posicionar a marca da carne junto a consumidores que buscam um produto diferenciado, mas, ao criar métricas confiáveis, pode ter atingido outro alvo: a necessidade do mercado financeiro em ter indicadores ESG numa atividade produtiva de grande escala.

Estabelecer métricas replicáveis e escalonáveis é o desafio a ser enfrentado por produtores, empresas e instituições de pesquisa, mas também pelo setor financeiro e por outras instituições ligadas à temática ESG. Há um notável avanço em áreas como consumo de água ou medição de emissões de carbono. Muitas empresas já utilizam esses indicadores em seus relatórios de sustentabilidade com metas transparentes para os anos futuros. Mas para outros ativos ambientais, ainda se percebe um grande espaço para avanços e investimentos, como por exemplo, indicadores para uso de solo que reflitam a manutenção de florestas, conservação e produtividade.

Contabilizar os impactos da atividade agropecuária e criar indicadores úteis e confiáveis para a tomada de decisão de investidores, governos e consumidores é essencial para posicionar o setor na onda ESG do desenvolvimento sustentável. Para os produtores rurais será preciso maior abertura ao tema, em especial para ampliação de atuação nos pilares sociais e de governança. O ESG abre duas portas de oportunidades para o agro: uma para melhorar o relacionamento com o mercado consumidor; e outra para melhorar a sinergia com o mercado financeiro. A combinação dessas oportunidades pode gerar uma externalidade altamente positiva, aumentando a visibilidade do compromisso ambiental, social e de governança do setor, melhorando sua imagem junto ao público urbano no Brasil e nos mercados de destino. É também sobre a externalidade de imagem que recai o principal risco do ESG: o risco reputacional.

Se os problemas globais relacionados à sustentabilidade ambiental, social e de governança criaram consumidores engajados e um sistema financeiro disposto a encorajar mudanças na produção, a facilidade da comunicação em tempo real permitiu maior escrutínio dos compromissos assumidos. “Maquiagem verde” pode ter um custo altíssimo para empresas que não demonstrarem aquilo que publicam em seus relatórios de sustentabilidade ou que anunciam em campanhas de marketing. E os riscos superam as ações da própria empresa, pois são compartilhados por toda a cadeia.

ESG não é panaceia, não vai resolver todos os problemas ambientais e sociais. Não vai substituir políticas públicas e sua evolução é fortemente puxada pelas pressões regulatórias. Pode ser apenas mais uma onda gerencial que no futuro será substituída por outra sigla. Mas isso não invalida o fato da agenda ESG causar furor nas estruturas das corporações e provocar mudanças que afetam o setor agropecuário. São novas oportunidades criadas pelo mercado. Resta saber quem vai ficar pra trás e quem vai entrar na onda.

Lígia Dutra é diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

(*) Artigo originalmente publicado na Broadcast

Áreas de atuação

Matérias Relacionadas