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Serenidade para punir e reconstruir
As regras existem por razões de segurança, disciplina, igualdade de oportunidade, balizamento das relações sociais e econômicas etc. Elas são as fiadoras da convivência. Transgredir as regras traz consequências de toda a ordem e, em especial, a penalização prevista no ordenamento jurídico, ou na cultura, ou nos usos e costumes. A indústria brasileira de alimentos é fortemente regulamentada e segue diretrizes internacionais com o escopo de proteger a saúde pública com a oferta de produtos de qualidade. As eventuais irregularidades que venham a ocorrer neste setor devem ser punidas, reprimidas e corrigidas com a aplicação das sanções legais e a inevitável repulsa da opinião pública. Nesse aspecto, somos necessariamente favoráveis aos desideratos da operação Carne Fraca (e sua derivada operação Trapaça) da Polícia Federal porque ela está orientada pelo interesse público.
Chamo a atenção para o fato que, nesse vasto setor, emerge a indústria de processamento de carnes que tem, em Santa Catarina, alguns dos maiores expoentes do planeta. Graças ao trabalho dos produtores rurais, das empresas, do governo, dos centros de pesquisa e das universidades construímos a mais avançada cadeia mundial da indústria de produtos cárneos. A avicultura e a suinocultura praticadas em território catarinense se espraiaram por outras regiões produtivas e fizeram do Brasil um paradigma de qualidade e inovação.
É imensa – e geralmente incompreensível para os leigos e o público em geral – a complexidade da operação dessas cadeias produtivas, pois envolvem questões sanitárias, genéticas, operacionais, microbiológicas, ambientais, de engenharia, de gestão comercial etc. As aves e suínos que criamos hoje resultam de 150 anos de aperfeiçoamento e interação genética, nutricional e ambiental. Tudo é ciência, tudo é conhecimento. Não há lugar para o amadorismo ou improvisação.
Emoldurada nesse cenário, a recente operação da Polícia Federal envolvendo a BRF (Brasil Foods) é entristecedora. Digo isso na condição de produtor rural e de representante do setor primário. Trata-se de uma das maiores empresas do mundo, dona de um patrimônio construído por décadas pela exitosa experiência das empresas Sadia e Perdigão que se fundiram sob a marca BRF. Porém, precisamos ter em mente que a operação localizou procedimentos isolados que precisam ser investigados e punidos.
A tristeza que me toma resulta do fato que a BRF também foi construída pelo esforço dos produtores rurais que, no campo, asseguraram a melhor matéria-prima para o processamento de alimentos confiáveis que são consumidos por mais de 120 países. Tenho certeza de que a empresa vai se recuperar e voltar a orgulhar todos nós, como nos orgulha a Cooperativa Central Aurora Alimentos que tive a honra em presidir e outras empresas do setor. Contudo, precisamos criar mecanismos para que isso não se repita jamais. A sociedade e todos os elos da cadeia produtiva da carne – incluídos os criadores de aves e suínos – perdem e perderão com a crise que se instalou: alguns mercados se fecharão, outros barganharão preços, haverá excesso de oferta, preços médios despencarão...
O momento pede serenidade. Invoco a lembrança dos pioneiros da agroindustrialização Atílio Fontana, Saul Brandalise, Aury Bodanese e Plínio de Nês, entre outros. É hora de exigir apuração e punição, mas, também, de perceber a dimensão econômica e histórica dessas admiráveis organizações econômicas (a cadeia da carne emprega mais de 200 mil pessoas), geram mais de 15 bilhões de dólares em exportação e, portanto, não podem ser destruídas em razão do insano comportamento de alguns.
*José Zeferino Pedrozo - Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc)e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/SC)