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Pesquisa agropecuária no mundo em mudança
A Embrapa completou 45 anos em abril de 2018 consolidando um importante ciclo de realizações e se preparando, com suas organizações parceiras, para os novos desafios que se apresentam para o mundo da agricultura e da alimentação. O espetacular avanço da agropecuária brasileira nas últimas décadas levou a mudanças no papel da pesquisa pública. Até meados dos anos 1990, a Embrapa foi líder da pesquisa em melhoramento genético e no fornecimento de sementes ao mercado, em função da carência de um setor privado capaz de atender às necessidades dos produtores. A aprovação das legislações de patentes e proteção de cultivares, no final dos anos 90, levou a uma natural retração na participação da pesquisa pública nos mercados de insumos, que passaram a ser bem servidos pelo setor privado.
Ao invés de aplicar recursos públicos para competir com as empresas, a Embrapa fortaleceu sua atenção a espécies que têm grande importância estratégica para a diversidade da agricultura brasileira. Guardiã de um dos maiores bancos genéticos do planeta, a Empresa seguiu priorizando o desenvolvimento de cultivares de arroz, feijão, trigo, mandioca, banana, amendoim, café, guaraná, mandioca, maracujá, melão, palma de óleo, tomate, cevada, uva além de grande variedade de hortaliças, frutas temperadas e tropicais. Agora, com olhos atentos às demandas futuras, a Embrapa investe, em parceria com o setor privado, no desenvolvimento das chamadas “pulses”, grãos comestíveis de leguminosas, como lentilhas e grão de bico, cuja demanda explodirá nas próximas décadas, sobretudo na Ásia.
A Embrapa se tornou, também, líder no desenvolvimento de gramíneas e leguminosas tropicais para pastagens, o que tem permitido à nossa pecuária alcançar posição de grande destaque. Junto com a ABCZ e outros parceiros, a Empresa lidera programas de melhoramento de bovinos que tem profundo impacto na pecuária brasileira, que hoje exporta, além de carne de qualidade, também a genética de alto desempenho adaptada aos trópicos. Temas que muitos consideram “portadores de futuro”, como a biotecnologia, a nanotecnologia e a transformação digital, há muito produzem resultados concretos nos laboratórios da Embrapa. Alguns inusitados - como a recente multiplicação, na soja, da cianovirina, uma proteína muito eficaz no combate à AIDS, demonstrando a sintonia da pesquisa agropecuária como a emergente bioeconomia.
Uma parte muito significativa da produção da Embrapa, ao redor de 2/3 de tudo que é gerado, é informação e não se materializa em insumos e produtos, e por isso passa despercebida por muitos. Por exemplo, o Código Florestal incorporou e se beneficiou de enorme volume de informações e conhecimentos gerados pela Empresa. O Zoneamento de Risco Climático racionaliza a exploração agrícola no território nacional com grande impacto na política de crédito e seguro agrícola. Novos espaçamentos e conhecimentos sobre solo e clima, escolha ideal de insumos, boas práticas zootécnicas, práticas de manejo integrado de pragas e estudos de Inteligência Territorial Estratégica e Logística estão entre inúmeros exemplos de conhecimentos gerados pela Empresa e seus parceiros com impactos imediatos e profundos nos sistemas produtivos e na alimentação dos brasileiros. A relevância da produção intelectual da Embrapa é atestada pelos 24,5 milhões de downloads recebidos no seu rico acervo de informações, apenas no ano de 2017.
A pesquisa agropecuária é também responsável pelo desenvolvimento de tecnologias que viabilizam a agricultura de baixa emissão carbono, compromisso internacional do Brasil. O nosso país tem a mais arrojada política pública de estimulo a boas práticas de produção para neutralizar a emissão de gases de efeito estufa na produção de alimentos. Assim, avançamos na produção de serviços ambientais, créditos de carbono, bem estar animal e produtos de alta qualidade, além de dados e informações qualificados que ajudam a posicionar a agricultura brasileira como uma das mais sustentáveis do planeta.
O agronegócio ganhou grande complexidade ao longo dos anos, o que amplia o espectro de riscos e vulnerabilidades, incluindo a tendência de concentração nos mercados de genética e insumos, processo que ocorre em todo o mundo e que preocupa os produtores brasileiros. Infelizmente está além da capacidade da pesquisa pública contrapor tal movimento. Não faria sentido a Embrapa optar por reduzir seu escopo de atuação e concentrar recursos escassos para competir com empresas privadas em mercados extremamente intensivos em capital. Políticas públicas e mecanismos de livre concorrência é que precisam ser mobilizados para resolver problemas decorrentes de imperfeições no mercado.
A pesquisa pública funciona como uma “locomotiva limpa trilhos”, que vai à frente, assumindo missões de maior risco e prazos longos, para que as empresas encontrem caminho livre para investir com segurança. Abertos os caminhos, a pesquisa pública, com desapego, busca novos desafios. E precisa usar de criatividade para fazê-lo com recursos escassos, já que o Brasil ainda investe pouco em ciência. Ainda assim, e a despeito da crise que acomete o país, a Embrapa, como a sua contraparte francesa, o INRA, mantém uma relação percentual de 80/20 para os orçamentos de pessoal e operações. E busca incessantemente, via parcerias público-privadas, a proporção internacionalmente ideal, de 70/30.
Todos os brasileiros utilizam, pelo menos uma vez ao dia, uma tecnologia ou inovação desenvolvida com a contribuição da pesquisa agropecuária, seja no café da manhã, no almoço, no jantar, na roupa, no calçado, em medicamentos, e até na cerveja do bar - 90% da área plantada de cevada no Brasil provêm de materiais gerados pela Embrapa. Portanto, a pesquisa agropecuária é um dos motores do desenvolvimento do Brasil e a sociedade precisa valorizá-la e protegê-la
*Maurício Antônio Lopes é presidente da Embrapa