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Inovação no semiárido
Ao ouvirmos a palavra semiárido, é possível, a princípio, associá-la à pobreza, à escassez, à improdutividade e à aridez. Mas, neste megaterritório que é o semiárido brasileiro, existem flores, frutos, tecnologia e muita inovação agropecuária. Ele ocupa uma área de quase um milhão de quilômetros quadrados, abrangendo 1.262 municípios, de 10 estados brasileiros, onde vivem cerca de 23 milhões de pessoas.
É verdade que o semiárido é caracterizado por vulnerabilidade climática, escassez de recursos hídricos, com 60% dos solos de baixa fertilidade, e a caatinga é a vegetação predominante. Nesta região, mais de seis milhões de pessoas lidam com atividades agrícolas, em propriedades predominantemente de base familiar, com tamanho médio de 14 hectares, que representam 35% do número de estabelecimentos rurais do Brasil.
Há grande diversidade de sistemas de produção em áreas com lavouras tradicionais ou estagnadas e áreas de modernização intensa, tanto em regime de sequeiro quanto em irrigado. Esse cenário é um desafio diário para as instituições de ciência, tecnologia e inovação, especialmente as instituições públicas, pois, nesse tipo de ambiente, a iniciativa privada arrisca muito pouco, ou quase nada.
É preciso, antes, haver uma frente pública abrindo e deixando limpos e seguros os caminhos. Ao longo de seus 45 anos, e com diferentes parcerias, a Embrapa tem desenvolvido, adaptado e disponibilizado um acervo de tecnologias e conhecimentos para o uso racional dos recursos naturais e para a convivência com a semiaridez.
Essas inovações tornaram possível a produção de hortaliças e frutas, a criação intensiva de caprinos e ovinos, de gado de leite e de corte, entre outras atividades agropecuárias. Pesquisas, tecnologias e inovações para o desenvolvimento da fruticultura de sequeiro, centrada em espécies nativas da caatinga, como o umbu, a mangaba, o cajá e o maracujá-do-mato, encontram-se em pleno desenvolvimento.
Existem abordagens para lidar tanto com os fatores agronômicos como com a transformação industrial desses produtos em doces, sucos, polpas, geleias, corantes naturais, utilizando pequenas unidades fabris em comunidades e associações rurais, e em médias e grandes agroindústrias.
Há avanços na prospecção do potencial da biodiversidade da região como provedora de matérias-primas para as indústrias química, farmacêutica e cosmética. Nanofilmes comestíveis, aromas, essências, equipamentos para pequenas indústrias, cultivares e novos materiais genéticos são disponibilizados de forma contínua para as cadeias produtivas.
Outro foco da pesquisa é a relação entre sociedade e natureza. Estamos trabalhando em estratégias de apropriação, manejo sustentável dos recursos naturais e da biodiversidade, preservação e recuperação ambiental, segurança alimentar e nutricional, geração de emprego e renda, valorização da cultura e dos hábitos alimentares.
Estão sendo desenvolvidos, cultivados e adicionados à dieta das pessoas da região alimentos biofortificados em zinco, ferro, betacaroteno e outros minerais e vitaminas, como feijão, mandioca, batata-doce e abóbora.Os agricultores são incentivados a adotar práticas que conduzam ao desenvolvimento de sistemas agrícolas sustentáveis, como os sistemas agroflorestais e agrossilvipastoris. A agricultura sustentável tem aproveitado e valorizado o progresso científico e tecnológico, com uso das biotecnologias, sensoriamento remoto, seleção assistida por marcadores, química fina de compostos naturais e outras tecnologias portadoras de futuro.
A disponibilidade da água é a grande preocupação das pesquisas nessa região, priorizando inovações tecnológicas voltadas para captação, armazenamento e uso racional da água de chuva, como cisternas, barreiro para irrigação de salvação, barragens subterrâneas e reúso de água de dessalinização de poços. São soluções simples, descentralizadas, de baixo custo e fácil execução, que têm contribuído para a melhoria da qualidade de vida das famílias, melhoria das condições sanitárias e redução dos riscos da produção agrícola.
A agricultura biossalina já é uma realidade no semiárido. Há inúmeros avanços em tecnologias para produção pecuária no semiárido. A evolução do programa de melhoramento genético de ovinos e caprinos possibilitou ofertar mais do que genética de alta qualidade e desempenho animal. Incrementou produtividade de carne e leite e, sobretudo, renda e alternativas para o produtor rural na caatinga.
Por meio de uma aliança estratégica pioneira com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA, e suas federações nos estados do Nordeste e de Minas Gerais, estão em validação diversas alternativas de forrageiras tropicais com potencial tolerância à seca. São novas perspectivas para a pecuária, que é uma das principais atividades econômicas e de subsistência da região. E, por que não dizer, para o futuro de outras regiões produtoras de carne e leite, diante dos impactos das mudanças do clima? Existe mesmo uma previsão de dois principais futuros para a pecuária, especialmente a bovina: intensificação integrada sustentável e produção em condições geoclimáticas menos favoráveis.
Temos uma oportunidade ímpar de explorar o potencial do turismo rural, da gastronomia, das culturas e tradições do semiárido e de suas diferentes sub-regiões. Potencial este conectado com a agricultura, com a pecuária, com os cultivos tradicionais e com os hábitos típicos desse fascinante megaterritório.
Da macaxeira à castanha e ao caju, passando pelo cajá, pelo abacaxi, pela uva, pêssego, pera, ameixa, pelo algodão colorido, até a carne de sol ou do sertão, a manta de cordeiro de Tauá, produtos lácteos funcionais e o espumante varietal, além do terroir - em diferentes cadeias produtivas e culturas -, há muitas tecnologias e inovações transformando vidas e redefinindo o conceito e visões do semiárido.
*Cleber Oliveira Soares é Diretor-Executivo de Inovação e Tecnologia da Embrapa