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21 de dezembro de 2022
Artigo/Sueme Mori: Medidas unilaterais não resolvem questões globais e complexas*
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POR CNA

Uma das máximas que muitas vezes é ignorada na elaboração de políticas públicas é que para um problema complexo, frequentemente existe uma solução simples, elegante e errada. A chamada legislação antidesmatamento da União Europeia (UE) aparenta ser mais um exemplo disso.

A medida obriga as empresas que comercializam ou exportam para a União Europeia a implementar um sistema de diligência devida para garantir que os produtos cumpram uma série de requisitos, entre eles, a garantia de que não são originários de áreas com supressão de vegetação nativa, legal ou ilegal, após 31 de dezembro de 2020. A legislação se aplica inicialmente à borracha, ao carvão, cacau, café, carne bovina, madeira, óleo de palma, papéis, soja e alguns produtos derivados dessas cadeias como couro, chocolate e móveis.

A União Europeia afirma que a nova medida dará garantia aos consumidores europeus de que os produtos comercializados no bloco não contribuem para a destruição das florestas e com isso reduzirá o impacto dos 27 países nas mudanças climáticas e na perda de biodiversidade global.

Algumas reflexões que devem ser feitas acerca dessa proposta: será que a medida não extrapola o razoável para alcançar o legítimo objetivo de combater as mudanças climáticas? Quais serão os impactos no aumento do custo de produção e no preço dos alimentos? Como compatibilizar as exigências europeias com as diversas legislações nacionais e com os acordos e compromisso internacionais?

Pelas informações divulgadas até o momento, a impressão que se tem é de que a regra tem um potencial de gerar desvio de comércio e punir especialmente os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos.

A regra tem caráter extraterritorial e não considera as legislações de cada país e o direito consagrado de explorar a propriedade privada, além de não diferenciar desmatamento legal e ilegal. Esse é um ponto crítico da proposta. No caso do Brasil, a legislação nacional permite a abertura de áreas e o porcentual autorizado depende do bioma em que a propriedade se encontra, podendo ser de 20% a 80%. A norma europeia terá o mesmo impacto de alguém que compra um imóvel e, após anos morando nesse local, descobre que não pode mais utilizar todos os cômodos.

O projeto também carece de medidas para fortalecer a capacidade ambiental dos países menos desenvolvidos e traz apenas medidas punitivas, não reconhecendo os desafios enfrentados pelas nações com renda média e baixa para aplicar as suas legislações ambientais, muitas vezes por falta de capacidade financeira e/ou institucional.

A escolha de produtos abarcados pela medida também afeta pouco a produção agrícola europeia, já que a maioria dos produtos impactados não é produzida no bloco europeu, casos do café e do cacau.

A União Europeia é o segundo principal destino dos produtos agropecuários brasileiros, atrás apenas da China. De janeiro a novembro deste ano, o Brasil exportou US$ 23,8 bilhões para o bloco, 16% de tudo o que o agro exportou em 2022. Pela sua importância, o setor tem de estar atento a essas e outras medidas que podem causar impacto negativo nas exportações brasileiras.

A cadeia do café, por exemplo, exporta 49% da sua produção para o mercado europeu. No Brasil, existem 264 mil produtores de café, sendo a maioria pequenos e/ou familiares, que terá de se adaptar à medida ou será excluída do mercado europeu.

A proposta aplicará medidas mais rígidas aos países com maior risco de desmatamento que, via de regra, são as nações em desenvolvimento e vai gerar vantagens competitivas para países de clima temperado e de maior desenvolvimento, ainda que esses já tenham exaurido a maior parte de seus recursos naturais.

Considerando a situação atual de inoperância do órgão de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC), uma medida dessa natureza gera ainda mais preocupação.

Como um setor que depende das condições climáticas para produzir, o agro não só defende a adoção de medidas que reduzam as emissões, como faz parte da solução.

Um problema global e complexo como as mudanças climáticas não pode ser endereçado dessa maneira, com medidas unilaterais e que ferem o comércio internacional e a segurança alimentar. Os avanços no tema devem observar as ações de formas mais amplas e usando os fóruns adequados para isso. Não há fórmula mágica e simples.

Sueme Mori é diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Com a colaboração de Matheus Dias de Andrade, assessor técnico da CNA

*Artigo publicado originalmente na Broadcast no dia 16 de dezembro