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A agricultura puxa a queda da inflação
A inflação não para de surpreender. Fechamos o ano passado com um número inferior a 3%, que vem se mantendo até agora. O IPCA de março atingiu 2,68% em doze meses, o menor nível para o mês desde o Plano Real. Embora outros grupos também tenham desacelerado (como os serviços subjacentes, que são aqueles nos quais o mercado é pouco regulado e os preços flutuam livres), é inequívoco que os preços agrícolas puxaram, de fato, a inflação para baixo.
Desde a grande safra colhida em 2016, o custo de alimentação caiu vertiginosamente, vindo de mais de 14% base ano (fruto do fenômeno climático do El Niño) por volta de agosto daquele ano para o território negativo ao final de 2017, onde se mantém até hoje. Embora um pouco menor do que a do ano passado, a safra de verão que estamos colhendo é bastante boa.
A queda no custo de alimentação não é casual, nem recente.
Há alguns anos, Juarez Rizzieri, Alexandre Mendonça de Barros e eu construímos um índice de preços de uma cesta de vinte produtos (leite, ovos, carnes, açúcar, óleos, cereais, tubérculos, verduras e frutas) para o varejo da cidade de São Paulo, tendo como base as coletas semanais de preços realizadas pela Fipe. A série começa em dezembro de 1974 e foi atualizada agora até o mês de fevereiro do corrente, cobrindo pois, 43 anos. Calculamos também dois subperíodos, tendo o Plano Real como divisor, dado que ali a superinflação foi quebrada.
Os resultados são impressionantes. Durante 43 anos os preços relativos de alimentos caíram nada menos que 3,5% ao ano!!!
A comida no Brasil ficou relativamente barata e a ingestão alimentar da população se elevou muito, com exceção de certos grupos de risco.
A queda no preço de alimentos, na realidade, foi a causa inicial e mais relevante da melhora do poder de compra dos salários mais baixos da economia brasileira. O Bolsa Família é algo posterior.
O País tem, certamente, problemas na distribuição de renda, mas não os tem na oferta de alimentos. Ao contrário, a queda no custo da comida eleva bastante a renda real da população e o seu poder de compra em termos de outros bens e serviços.
Alimentar bem mais de 200 milhões de pessoas é a maior contribuição do agronegócio para o desenvolvimento do país, pois isso foi realizado mesmo elevando-se de forma significativa as exportações do setor para o resto do mundo.
A queda nos preços de alimentos foi muito forte na fase da inflação elevada. Entre dezembro de 1974 e dezembro de 1995, nossa cesta de alimentos caiu nada menos que 4,7% ao ano.
Três razões são aqui relevantes: a consolidação do pacote tecnológico que permitiu a abertura do cerrado e uma elevação da produção, com fortes altas na produtividade. Em segundo lugar, o sistema de distribuição até os supermercados se ampliou significativamente. Finalmente, a abertura econômica e a redução de intervenções públicas na produção agrícola (notadamente a liberalização de preços de café, açúcar e leite) complementaram as características mais relevantes para a formação de um modelo no setor.
Este é caracterizado pela competição nos mercados internacionais e livre concorrência nos mercados de bens, associadas à absorção de tecnologias que levam a persistentes melhoras na produtividade. Os riscos e os retornos da inovação e mudança técnica estão no centro do modelo de negócios do segmento. O resultado é uma elevação contínua da produção, cujos frutos são em boa parte repassados para o consumidor sob a forma de baixa de preços, dada a existência de mercados competitivos.
No período pós real, as quedas no custo da alimentação prosseguiram, embora a taxas mais modestas, consistentes com a menor inflação. Nos 22 anos, de dezembro de 1995 a fevereiro de 2018 a cesta de bens alimentícios caiu mais 0,7% ao ano
A recuperação das perdas por clima em 2016, resultou na perna final desta longa trajetória.
Duas conclusões se impõem: a queda da inflação resulta de um processo que vai bem além da grande recessão e, desde que certas reformas sejam feitas podem compor um novo quadro de inflação baixa.
Por outro lado, é inevitável uma outra pergunta: por que o grosso da nossa indústria não foi capaz de construir um semelhante caminho?
* José Roberto Mendonça de Barros é Economista e sócio da MB Associados