Paraná
Inovadoras, paranaenses entram na lista "Poderosas do Agro", da Forbes
Marina Soletti Beckheuser e Mariangela Hungria da Cunha estão entre as seis mulheres do Paraná que constam na seleção da revista
Se, tradicionalmente, o agronegócio era conhecido por ter baixa participação de mulheres, de uns anos para cá, o cenário mostra uma nova tendência. Segundo levantamento realizado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, houve aumento de 10,42% em ocupações femininas no mercado de trabalho do setor na comparação entre os segundos semestres de 2021 e 2020.
Neste ano, a revista Forbes lançou a lista “100 Mulheres Poderosas do Agro”, reunindo importantes nomes de produtoras, líderes e profissionais do agronegócio que se destacam no setor. Nas edições 1550 e 1552 do Boletim Informativo do Sistema FAEP/SENAR-PR, contamos as histórias de quatro representantes do Paraná que integram o grupo. No total, seis mulheres do Estado são citadas na lista. Leia a seguir o final desta série.
Mariana Soletti Beckheuser – Paranavaí
Com 41 anos, Mariana Beckheuser é presidente executiva da empresa Beckhauser (com A, diferente do sobrenome, por um erro de cartório), voltada para equipamentos para contenção na pecuária e pioneira no desenvolvimento de soluções para o manejo racional e bem-estar animal em currais. A marca foi fundada em 1970 em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, pelos avós paternos de Mariana. Em 1976, com a separação do casal, sua avó assumiu a Beckhauser por dois anos. A situação financeira não ia bem e o negócio acabou não se sustentando.
Na década de 80, o pai de Mariana, José Carlos, que era ajudante na empresa desde os 15 anos, decidiu reerguer o negócio ao lado da esposa, do irmão e de um antigo funcionário. Aos poucos, as dívidas foram quitadas e uma nova Beckhauser foi fundada. Mariana cresceu acompanhando os pais na empresa. “Eu morava no prédio que depois virou escritório. Minha diversão era acompanhar meu pai em feiras agropecuárias, fazendas, brincar nos equipamentos. Cresci nesse mundo”, compartilha.
Apesar de ter a infância marcada pelo agronegócio, Mariana estava decidida a não trabalhar com o pai – acreditava que deveria seguir seu próprio caminho. Saiu de casa com 15 anos para cursar o Ensino Médio em Maringá, fez intercâmbio de um ano na Alemanha e voltou ao Brasil em 1999 para estudar Relações Públicas em Londrina.
Segundo Mariana, seu pai pedia ajuda na organização de eventos e com o marketing da empresa, e ela começou a participar de algumas tarefas, mas sem compromisso. Trabalhou na Secretaria de Cultura e em uma escola de idiomas até que, em 2005, decidiu voltar a Paranavaí com o objetivo de estruturar o Departamento de Comunicação e Marketing da Beckhauser.
“Eu percebi que o negócio estava crescendo e estava difícil para eles administrarem sozinhos. Meu pai precisava de ajuda, então entendi que eu teria mais espaço para conduzir uma estratégia de negócio saudável”, afirma.
Mariana, então, focou seu trabalho no reposicionamento de marca e no desenvolvimento de novas estratégias de comunicação para a Beckhauser. Em paralelo, começou a entender o processo de gestão da empresa e considerar um planejamento sucessório, pois via que seu pai estava muito solitário na tomada de decisões.
“Buscamos apoio de consultorias para realizar um alinhamento societário, pois havia uma distribuição desigual de cargos e parecia que não falávamos a mesma língua”, conta.
Em 2007, a consultoria com a qual estavam trabalhando se mudou e o trabalho ficou pelo caminho. “Foi difícil reconquistar a confiança do meu pai. Demos um passo para trás”, relembra Mariana. Na tentativa de não perder o que haviam conquistado, Mariana e o irmão, que fazia parte do time comercial, começaram a agir por conta, criando um espaço de conversa entre os sócios.
Em 2011, surgiu a oportunidade de retomar um trabalho mais efetivo de planejamento sucessório com uma consultoria de São Paulo. “Eles trabalham com um olhar mais humanizado, algo que eu queria. A gente se encontrou, pois era um estilo do meu pai, que sempre apostou no desenvolvimento das pessoas”, aponta.
Mariana e o irmão participaram de um programa de formação e, em 2013, o trabalho passou por uma etapa que envolveu todos os sócios, incluindo os filhos. Durante esse processo, no ano seguinte, o irmão de Mariana decidiu que não ficaria na operação. “Eu sempre gostei mais dos bastidores, enquanto meu irmão sempre foi muito falador, tinha o dom da oratória, então era natural que fosse o próximo presidente. Na época foi um baque”, relata.
Com a saída do irmão, Mariana passou por um processo de autoconhecimento e preparação para entender seu papel na empresa. “É uma empresa de valores familiares e que precisava de algo novo. Tínhamos que encontrar o equilíbrio entre o legado e a inovação”, explica Mariana que, em 2014, foi indicada pelo Conselho de Sócios para a vice-presidência executiva em uma espécie de trainee, enquanto o pai foi para a presidência do conselho.
Como vice-presidente, Mariana participou de um programa de visitas a empresas com responsabilidade socioambiental. Ali, encontrou o caminho que queria seguir quando saiu da faculdade e percebeu que era possível trabalhar com o que acreditava em gestão de negócio. Em 2018, assumiu a presidência da Beckhauser.
“Eu acredito muito em uma pecuária sustentável, com tecnologia, qualidade e mais produtividade com menos impactos socioambientais. Meu pai carrega a bandeira do bem-estar animal desde os anos 90. Nosso papel é investir em um negócio harmônico e responsável e isso passa por todos os setores da empresa”, assegura.
A Beckhauser mudou o conceito de contenção de bovinos no Brasil, apostando em Bem-Estar Animal e Humano (BEAH). Em 2020, a empresa transferiu seu parque fabril de Paranavaí para Maringá. Segundo a presidente, as inovações foram uma transformação marcante, com um conceito de fábrica enxuta, mais sustentável e com tecnologia de última geração para atender o crescimento da companhia, indo de encontro ao novo modelo de gestão. No mesmo ano, a Beckhauser comemorou 50 anos.
Apesar de conviver em um ambiente ainda majoritariamente ocupado por homens, Mariana acredita que trabalhar com o pai ajudou a eliminar muitos obstáculos do seu caminho. Por outro lado, sentia que tinha algo a provar. “Tive que criar meu reconhecimento pelo meu trabalho e não ser apenas filha do dono. Tinha que ganhar minha própria credibilidade”, diz.
Nesse sentido, Mariana aconselha que as mulheres, principalmente as mais jovens, tenham a iniciativa de marcar presença – algo que ela, apesar do cargo de presidente, não deixou de fazer. “Recentemente entrei para a diretoria do Sindimetal [Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico] de Maringá, que nunca teve uma mulher. Sempre me espelhei em outras mulheres ocupando espaços. Os grupos femininos são muito importantes, pois é um ambiente de troca e de apoio, que nos fortalece e nos encoraja”, conclui.
Mariangela Hungria da Cunha – Londrina
A paixão de Mariangela pela ciência começou na infância. Filha e neta de professoras, aos oito anos, ganhou da avó o livro “Caçadores de Micróbios”, o que considera o marco inicial de sua trajetória como pesquisadora. Na época, morava em Itapetininga, no interior de São Paulo, onde seus avós sempre viveram. “Minha avó era professora de Ciências, então ela sempre brincava comigo de fazer experiências. Eu gostava muito de mexer com solo e plantas. Ela foi meu principal incentivo”, relata.
No início do ginásio (hoje equivalente ao Ensino Fundamental II), ganhou uma bolsa de estudos em um dos melhores colégios de São Paulo, onde se destacou. Na época, a maioria dos alunos, após a formatura, cursava Medicina – e era isso que esperavam de Mariangela. Ela, no entanto, escolheu a Engenharia Agronômica. “Quando eu contei minha decisão, foi um escândalo. Na época, existia muito preconceito com quem escolhia essa profissão. Era aquele paradigma de caipira”, relembra.
Mariangela, então, foi contra a corrente e, em 1976, entrou para a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). Na faculdade, sentiu mais preconceito – desta vez, não com sua escolha, mas por ser mulher em um curso dominado por homens. A resposta foi se unir às outras mulheres da turma.
Além do machismo, Mariangela enfrentou outros obstáculos, como a falta de programas de incentivo à iniciação científica, que dificultavam sua dedicação integral à pesquisa. “Eu precisava de dinheiro, então me virava com as monitorias. Aí, para complicar mais, no segundo ano da faculdade, eu engravidei. Tive que começar a trabalhar para sustentar minha filha”, menciona.
Ainda cursando o Ensino Superior, conseguiu um emprego na Biblioteca de Agricultura, onde fazia fichamento de livros e artigos. Apesar do trabalho ser relacionado com o que estudava na faculdade, a verdadeira aspiração de Mariangela era seguir na área de microbiologia. No quarto ano, conseguiu um estágio não remunerado em fixação biológica do nitrogênio – tema que se tornou seu principal objeto de estudo e moldou sua carreira científica.
Em seguida, entrou para o mestrado em Solos e Nutrição de Plantas na Esalq/USP. “Foi um meio para lidar com muitas críticas, porque todos falavam que microbiologia não levava a lugar nenhum”, conta Mariangela. Emendou o doutorado em Ciência do Solo na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em 1982. No mesmo ano, ingressou como pesquisadora na Embrapa Agrobiologia, a convite de Johanna Döbereiner, um dos maiores nomes em microbiologia do solo no Brasil.
“Quando comecei, falavam que microbiologia não dava resultado, e hoje é o futuro. Foi se moldando essa visão de sustentabilidade, de que, por exemplo, a própria eficiência dos fertilizantes é aumentada pelos microrganismos nos quais a gente trabalha”, constata a pesquisadora.
No final dos anos 1980, fez seu primeiro pós-doutorado, nos Estados Unidos, onde ficou por três anos. Quando voltou, Mariangela se viu numa situação complicada com as filhas, que não tinham o suporte educacional necessário no município em que moravam. Para ficar mais próxima dos avós, que ainda viviam no interior de São Paulo, em 1991 pediu transferência para a Embrapa Soja, em Londrina.
“Foi muito importante poder conviver com eles com mais frequência. Sem falar que a minha avó tinha muito orgulho da minha profissão, afinal, foi com ela que tudo começou”, reconhece. Contudo, no âmbito profissional, Mariangela foi muito criticada pela escolha que tomou. “Fiquei chateada, mas eu precisava pensar nas minhas filhas. Hoje até que melhorou bastante, mas a mulher ainda é vista como um problema porque tem filho, principalmente quem tem menor qualificação”, acrescenta.
Em Londrina, Mariangela recomeçou seu trabalho na pesquisa científica, angariando recursos para equipamentos e projetos. Em 1997, fez outro pós-doutorado, desta vez na Espanha, onde surgiram oportunidades em várias colaborações na Europa. Por meio da Fundação Bill & Melinda Gates, faz parte da coordenação de um projeto na África, além de pesquisas desenvolvidas em praticamente todos os países da América do Sul e Caribe, além de países da Europa, Austrália, EUA e Canadá.
Atualmente com 63 anos, Mariangela possui um currículo extenso, com diversas premiações nacionais e internacionais. Ela acumula mais de 700 publicações e mais de 30 tecnologias e produtos relacionados ao uso de microrganismos na agricultura, com fixação biológica do nitrogênio e outras bactérias promotoras de crescimento de plantas, sua maior especialidade.
“As mulheres podem ser mães e boas profissionais. Os desafios são grandes, mas nós somos capazes. Essa lista da Forbes é mais um passo para destacar o papel das mulheres no agro. Assim como eu, mulheres pesquisadoras foram lembradas, dando valorização para a ciência, algo que precisamos muito no nosso país”, comemora.