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*Artigo/Sueme Mori e Matheus Dias de Andrade: OMC: Desafios agrícolas e de modernização
Redução dos fluxos de comércio internacional, protecionismo em alta, pandemia da covid-19, guerra Rússia-Ucrânia, inflação mundial crescente e dificuldades logísticas impactando todos os países. Foi nesse cenário que ocorreu a 12ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, principal instância decisória da OMC.
Esse quadro tão complexo, o mais desafiador desde a criação da OMC, tornou ainda mais difícil a já delicada tarefa de alcançar consenso em temas comerciais entre os 164 países membros da Organização. Inicialmente programado para durar 4 dias, o encontro, conhecido como MC12, foi estendido por mais um dia, na tentativa de que resultados relevantes possam ser alcançados.
Ainda que seja baixa a expectativa de que a Conferência apresente avanços concretos em temas caros para o setor agrícola brasileiro, a OMC continua como a pedra fundamental de todo sistema multilateral de comércio e para o agronegócio brasileiro. Mesmo que a Organização seja imperfeita, sem a sua existência os impactos seriam muito mais negativos do que positivos para o Brasil.
A OMC é responsável por operar um sistema global de regras do comércio internacional que inclui a negociação de acordos e a resolução de disputas comerciais entre seus membros. Além de se beneficiar das decisões multilaterais da Organização, o Brasil já colheu resultados concretos e extremamente positivos em disputas comerciais com outros países, como foram os contenciosos ganhos contra os Estados Unidos, no caso dos subsídios ao algodão, e contra a União Europeia, na questão dos subsídios ao açúcar. Essas conquistas só foram possíveis graças ao robusto sistema de regras e resolução de controvérsias da Organização.
Mais recentemente, o Brasil teve vitórias nas disputas contra a Índia (subsídios ao açúcar) e Indonésia (carne de frango). Contudo, ao contrário dos casos anteriores, nesses o Brasil “ganhou, mas não levou”, já que os países “apelaram ao vazio”, se aproveitando da paralisia do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) para interpor um recurso que não poderá ser julgado até a recomposição dos membros do OSC.
Esses dois casos são exemplares da importância da OMC para um sistema de comércio internacional baseado em regras e com um órgão que tenha poder de polícia para aplicar sanções. A retomada e o pleno funcionamento do OSC devem estar entre as prioridades de todos os membros no curto prazo em uma agenda de reforma e revitalização da OMC.
A importância do sistema de disputas da OMC é tamanha que motivou a edição da Medida Provisória 1.098/2022, transformada na Lei 14.353/2022, que autoriza o Brasil a impor sanções em retaliação a membros da OMC que descumprirem obrigações multilaterais, como aquelas determinadas em disputas comerciais.
Isso reforça que, além do seu papel como xerife do comércio internacional, a OMC também continua sendo o fórum mais adequado para as negociações comerciais plurilaterais agrícolas, que devem ter o objetivo de reduzir as tarifas de importação para os produtos agrícolas, a superação de barreiras não-tarifárias e de medidas que não são baseadas no conhecimento científico, ainda que para tanto seja necessária a reforma das regras agrícolas da organização, intocadas desde a década de 90.
A combinação do sistema de solução de controvérsias com o espaço de negociações da OMC oferece condições únicas para que sigam as discussões e avanços para redução dos subsídios agrícolas, especialmente aqueles que distorcem o mercado e criam condições artificiais de competitividade.
O setor agropecuário tem um peso relevante na agenda da OMC. Entre 2010 e 2020, o comércio de alimentos cresceu 47%, saindo de US$ 912 bilhões para US$ 1,34 trilhão. Em 2021, esse montante chegou a US$ 1,5 trilhão.
A segurança alimentar está no centro das discussões da Conferência Ministerial deste ano e a OMC defende a importância do comércio internacional agrícola como parte da solução para o enfrentamento dos problemas de alimentação no mundo.
No âmbito do MC12, ao menos dois importantes posicionamentos em relação aos temas agrícolas foram feitos pelo Brasil.
Em conjunto com 15 países da América Latina, o Brasil endossou uma declaração sobre a reforma das regras multilaterais do comércio agropecuário, que destaca a preocupação com a fome mundial, com o aumento dos preços dos insumos e com a adoção de medidas distorcivas ao comércio global de alimentos. São medidas relacionadas à política de estoques e outras que impeçam ou restrinjam injustificadamente os fluxos de troca. O documento também declara apoio ao sistema multilateral de comercio internacional, o compromisso com o aumento da produtividade agrícola e também com a reforma do acordo de agricultura da OMC.
Outro posicionamento que recebeu apoio do Brasil reforça a importância do Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, principal conjunto de regras contra as barreiras injustificadas ao comércio agrícola, e traz sugestões para a sua melhor aplicação no sentido de facilitar o comércio internacional agrícola, observar e reconhecer as diferentes condições regionais e aumentar a cooperação com organismos internacionais.
Todos esses desafios devem ser encarados sem perder de vista a necessidade de aumentarmos cada vez mais a produção agrícola mundial e alimentar um mundo que deve ter mais de 9 bilhões de habitantes até 2050.
A OMC será o fórum que deverá, em um futuro muito próximo, avaliar e buscar convergência internacional na intersecção entre produção agrícola, comércio internacional e sustentabilidade ambiental para evitar a adoção de medidas mais restritivas que o necessário e sem base científica que possam provocar impacto negativo ao produtor de alimento, a segurança alimentar e o comércio internacional.
Durante a visita da diretora-geral da OMC ao Brasil, em abril deste ano, ela pediu ao governo brasileiro e ao setor privado o apoio ao sistema multilateral de comércio e à OMC, que vem enfrentando questionamentos sobre a sua relevância e papel.
Não há dúvidas que o mundo precisa de uma OMC operando de forma plena. É necessário prosseguir com as negociações para que a próxima conferência ministerial possa, enfim, entregar os resultados e a modernização tão necessários para o comércio internacional.
Sueme Mori é diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Matheus Dias de Andrade é assessor técnico da CNA.
*Artigo publicado originalmente na Broadcast no dia 17 de junho