Paraná
FAEP avalia impactos do coronavírus no agronegócio
Desde o início do ano, o mundo assiste, atônito, ao avanço em massa de uma infecção respiratória causada por um vírus: o novo coronavírus, também chamado de Sars-Cov-2. Surgida e disseminada na China, a doença – identificada como Covid-19 – logo se alastrou para outros países, o que fez com que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarasse que estamos diante de uma pandemia, ou seja, em disseminação global e generalizada. Até o fechamento desta edição, já foram mais de 200 mil casos confirmados e mais de 8 mil mortes. Paralelamente aos efeitos diretamente relacionados à saúde, os surtos da doença também provocaram impacto na economia mundial. Diante da apreensão, que consequências a pandemia já causou no agronegócio paranaense? O que o setor rural pode esperar daqui para frente?
O Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV) passou, desde o início de fevereiro, a fazer um monitoramento dos efeitos do coronavírus na economia, com base em indicadores oficiais, como cotações, volumes de exportações e imIMPACTO portações e tendências de consumo. O Departamento Técnico Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR também elaborou um estudo semelhante, direcionado à realidade do Paraná. Ambos apontam que, em um primeiro momento – quando o Covid-19 ainda estava restrito à China –, o setor pecuário do Paraná ampliou suas exportações. Mas com a disseminação do vírus, já há sinalização de impactos negativos, como queda do consumo, oscilação no comércio exterior e dificuldades de o produtor se preparar para a próxima safra.
Exportações
Nos dois primeiros meses deste ano, enquanto a China enfrentava seu pico de contaminação, houve um aumento da demanda por produtos agropecuários, principalmente por proteína animal. Convém lembrar que, além da epidemia de coronavírus, o país asiático também luta contra um surto de Peste Suína Africana (PSA), que dizimou mais da metade de seu rebanho de suínos. Ante a este contexto, o Paraná foi um dos Estados que teve condições imediatas de atender a demanda chinesa. No primeiro bimestre desde ano, as exportações paranaenses de carnes à China aumentaram 78,1% em relação ao mesmo período de 2019, chegando a US$ 127,6 milhões.
Mas o complexo carnes foi a exceção. Em termos globais – levando-se em consideração todos os produtos do agronegócio do Paraná – a pandemia quebrou o aumento contínuo do faturamento com vendas externas. Nos dois primeiros meses deste ano, as exportações dos produtos do agro paranaenses encolheram 10,1%, ficando em quase US$ 1,6 bilhão. No caso do complexo soja – responsável pelo maior faturamento dos embarques do Estado – a queda foi de 20,5%: US$ 89,1 milhões menos que o arrecadado no mesmo período do ano passado. No caso dos produtos florestais, o encolhimento dos embarques foi de 34,7%.
O resultado só não foi pior por um fator: o dólar. A disseminação da Covid-19 afetou bolsas de valores do mundo inteiro e, no Brasil, provocou a alta do dólar, cuja cotação chegou a bater a casa dos R$ 5,19 (em 18 de março), maior patamar da história, até então. Como os produtos exportados são negociados em dólar, a taxa de câmbio acabou por compensar, ao menos em partes, a perda de faturamento. “Quando a gente internaliza o resultado dessas vendas externas, ou seja, quando a gente converte esse dólar arrecadado em reais, essa taxa de câmbio tem compensado a redução das exportações”, observa o economista Felippe Serigati, da FGV.
Então o dólar alto é bom para agronegócio? Não necessariamente. A maior parte dos insumos agropecuários, como defensivos e fertilizantes, é importada e negociada em dólar. Ou seja, esses itens têm custado mais caro, fazendo com que aumente consideravelmente o custo de produção. “No primeiro momento, a alta do dólar pode parecer bom para as exportações. Mas, por outro lado, ainda somos muito dependentes de insumos importados. Mais de 70% desses produtos são importados. Com o dólar alto, o produtor vai sentir o impacto no custo de produção e o planejamento de safra vai ter que levar em conta todos esses aspectos”, esmiuça Luiz Eliezer Ferreira, do DTE do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Planejamento
Outro indicador que aponta que o surto mundial de coronavírus deve impactar o planejamento da safra 2020/21 é a importação de insumos agropecuários. Hoje, dois dos maiores fornecedores desses produtos ao Brasil são Rússia e China. De ambos, as importações brasileiras reduziram drasticamente. A compra de insumos dos chineses, por exemplo, despencou 27,5% em fevereiro desde ano, em relação ao mesmo período do ano passado. “Essa redução pode ter se dado por vários fatores: seja porque os embarques tiveram dificuldades de sair da China, seja porque houve falta de oferta, seja porque o câmbio alto desestimulou a importação desses produtos por parte dos produtores rurais brasileiros”, observa Serigati.
Considerando que a pandemia se dá em um momento em que o produtor deveria preparar o próximo ciclo, é provável que haja impactos. Dificilmente, teremos no período 2020/21 um novo recorde de produção, como é esperado para a safra atual. “A dinâmica da doença paralisou a economia. Temos cadeias inteiras que estão parando. Neste cenário de incertezas, é difícil para o produtor fazer um planejamento de curto e médio prazos. Neste momento, tanto produtor quanto agroindústria estão sem elementos objetivos para pensar a próxima safra. Não dá para esperar que a próxima safra vai ser tão boa quanto a atual, mas tudo vai depender do tempo de resposta que o Brasil vai dar ao coronavírus”, aponta Ferreira.
Queda do crescimento
Outro ponto que deve afetar o agronegócio é a redução do ritmo de crescimento na economia mundial. O coronavírus fez com que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revisasse para baixo a expectativa de crescimento das principais forças econômicas do globo. De novembro para cá, a perspectiva de crescimento da China, por exemplo, sofreu redução de 0,8%. A do Brasil ainda está estável, mas também deve ter queda.
Além disso, o mundo vem observando a queda generalizada das commodities, com a exceção dos metais preciosos. No caso das commodities agrícolas, a queda foi de 2,8% em fevereiro deste ano, em relação a janeiro. Na quarta-feira (18), por exemplo, todos os contratos futuros de soja com entrega prevista para 2021 operavam em queda. Nos papéis de março de 2021, as cotações haviam recuado 3%. “As commodities agrícolas têm operado em patamares bem menores do que operavam, por exemplo, na virada do ano. Isso é um claro reflexo da pandemia e aponta que os produtos estão perdendo preço”, resumiu Serigati.
Outra commodity que vem em queda é o petróleo. Essa oscilação causa impacto direto em pelo menos outras três culturas agrícolas: cana-de-açúcar, açúcar e milho. “A cotação do petróleo em baixa puxa essas outras commodites. Há menos demanda por biocombustível de milho e por etanol. Se as usinas voltarem sua produção ao açúcar, há um excesso de oferta do produto, o que derruba o preço. É uma queda generalizada para essas três culturas”, destaca Ferreira.
Logística e consumo
De quebra, a Covid-19 também vêm provocando problemas logísticos que já afetaram diretamente o agronegócio brasileiro. Navios que partiram com produtos agropecuários à China ainda não puderam desembarcar, já que o governo chinês restringiu a entrada de contêineres como forma de combater a disseminação do vírus. Com as embarcações em espera na Ásia, o Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave) prevê que haja escassez momentânea de contêineres para operar as exportações brasileiras. Essa dinâmica deve afetar diretamente o Porto de Paranaguá, por onde são escoados os produtos agropecuários do Paraná voltados à exportação.
Por causa desses entraves logísticos, a Minerva Foods suspendeu os abates em quatro de suas unidades Janaúba (MG), José Bonifácio (SP), Mirassol D´Oeste (MT) e Paranatinga (MT), concedendo férias coletivas aos seus funcionários. A JBS emitiu nota, informando que também avalia interromper temporariamente as operações em alguns de seus frigoríficos.
Para além disso, a exemplo do que ocorreu em países como a China e a Itália, o Brasil deve enfrentar a queda vertiginosa no consumo. No Paraná, o governo já determinou algumas medidas restritivas, como a suspensão das aulas e o cancelamento de eventos e reuniões com mais de 50 pessoas. Além disso, a orientação das autoridades de saúde pública é de que os cidadãos evitem sair de casa e, se possível, trabalhem de casa – em regime de home office. Se num primeiro instante se observe casos pontuais de pessoas correndo aos supermercados, fazendo estoque de produtos alimentícios, no médio prazo deve haver desaquecimento acentuado do consumo.
“Embora a gente ainda não tenha números quantificando, basta olhar o trânsito e o movimento no comércio, por exemplo. A gente vai ter uma demanda mais fraca e isso vai afetar o setor produtivo, vai pegar todo mundo. No curto prazo, o pessoal até pode fazer aquisições maiores para manter estoque, mas isso é só antecipação de demanda”, diz Serigati.
Apesar disso, a tendência é de que o setor agropecuário, de um modo geral, reduza menos a sua produção em relação a outros setores da economia. Isso, por uma questão lógica: as pessoas precisam comer. Mas algumas cadeias produtivas podem sentir o impacto de forma muito mais severa, principalmente os setores que trabalham com alimentos que perecem mais rapidamente. “Na esteira da desaceleração, deve haver uma redução generalizada de bens e serviços. O setor de alimentos não vai ficar alheio, mas o impacto vai ser menor. A ressalva são alguns grupos de produtos específicos, como hortifrúti, hortaliças e frutos do mar, que devem sofrer impacto significativo”, avalia Ferreira.
Outro ponto que causa preocupação é a garantia de respaldo aos pequenos e médios produtores no período mais agudo da crise. Em razão disso, Serigati defende a atuação forte do governo federal e do Banco Central, no sentido de garantir crédito. “Agentes de maior porte, como uma JBS da vida, tem caminhos alternativos para se proteger. Mas como fica o pequeno e o médio produtor?
Essa crise vai demandar liquidez, fôlego e crédito aos menores”, aponta. Entre o pacote de medidas anunciados pelo Ministério da Economia, estão R$ 5 bilhões em crédito no Programa de Geração de Renda (Proger), voltada a micro e pequenas empresas e simplificação das exigências para contratação e renegociação de crédito.
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Boletim Informativo da FAEP
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